Banner inicialMatéria de capaMatérias

Saúde mental do síndico: como lidar com as emoções e os conflitos da prática condominal

Como o síndico deve lidar com os conflitos
e desafios da prática condominial

Lidar com situações pertinentes ao dia a dia da rotina condominial é uma tarefa que exige mais do que competência do síndico, é preciso jogo de cintura e discernimento para equilibrar tarefas que vão desde a administração geral, que envolve os aspectos práticos da estrutura e manutenção do condomínio e a gestão das finanças, mas também os conflitos que envolvem os problemas relacionados à convivência entre pessoas.
Esse é um desafio que síndicos e síndicas já atravessam desde o surgimento da função, mas que aparentam estar vindo à tona com maior frequência com o avanço da tecnologia, do home-office e do uso de ferramentas digitais, como comunicadores instantâneos e aplicativos de smartphone, que apesar de facilitarem a troca de informações, principalmente em tempos de pandemia, acabam também por aumentarem a pressão por respostas cada vez mais imediatas e que trazem à tona as divergências com moradores antes reservadas às reuniões condominiais. “Situações como constantes ataques à honra e a idoneidade do síndico, por meio de insinuações de alguns condôminos com relação as finanças do condomínio, principalmente quando fermentadas em grupos de WhatsApp, geram instabilidade e desgastes emocionais a pessoa”, afirma o síndico gestor profissional e auditor condominial, Odimar Manoel. Para Odimar, trabalhar e atender solicitações em horários estendidos, como no período noturno e aos finais de semana, algo bem comum ao cotidiano do síndico, geram sobrecargas mentais, impedindo-o de descansar e mantendo-o sempre “ligado”.

Somado a isso, o acúmulo de funções e o estresse gerado pelo anseio em realizar as tarefas necessárias em tempo hábil podem desencadear sintomas de depressão ou até mesmo de doenças capazes de afetar a saúde e as habilidades do síndico em longo prazo. “A tendência de todo ser humano é de absorver todos os problemas para si. Esse é o maior prejuízo emocional que causamos em nós mesmos – quando agimos como ‘esponjas’, ou seja, limpamos os conflitos que o trabalho e as outras pessoas geraram, mas não limpamos nossa mente”, explica a psicopedagoga e analista do comportamento humano, Franciane Prudencio Zimmermann.

Quando o assunto é o combate aos conflitos, a terapeuta ocupacional Scarlet Murara acredita que estes são necessários para o funcionamento normal do cérebro humano. “Assim, ele pode desenvolver a capacidade de resolução de problemas e, principalmente, a paciência”, diz. Contudo, ela deixa o alerta sobre a constância no enfrentamento do problema. “Em níveis muito altos de conflitos diários, pode haver alteração da fisiologia do ser humano, isto é, do humor, do ciclo de sono e até alteração alimentar. Dependendo da pessoa, ela pode comer demasiadamente ou pular as etapas das refeições em função do estresse”.

A psicóloga clínica pós-graduada em capelania e aconselhamento, Kauane Leite, concorda que o estresse e os problemas fazem parte da vida e que lidar com isso é um desafio saudável. “Numa certa medida é até saudável, porque o estresse pode ser responsável pela melhora das nossas reações diante de uma situação adversa. Porém, uma quantidade de estresse maior do que o normal e com uma frequência maior, acende o sinal de alerta e aí é preciso começar a observar os sintomas de alguns transtornos, como a síndrome de burnout, por exemplo”.

Síndrome de Burnout

Kauane explica que a Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional é uma exaustão emocional, geralmente causada pelo excesso de trabalho. “É muito comum em pessoas que trabalham com o público ou em cuidadores, gerenciadores de conflitos, professores, médicos, psicólogos, enfermeiros e até síndicos”. Segundo ela, não é possível que a pessoa consiga realizar seu próprio diagnóstico da doença, mas que alguns sinais podem ser observados, inclusive em casos de esgotamento. “Podemos estar também passando por um momento cansativo e acabarmos rotulando como uma síndrome, mas é muito comum que haja uma fadiga extrema”, sinaliza.

Scarlet resume o Burnout como “síndrome do super herói”: “A pessoa quer fazer mais, mais e mais, só que o corpo humano tem um limite de absorção e de capacidade, tanto físico quanto mental”. A terapeuta esclarece que o quadro de estresse pode acontecer em três níveis: Agudo, que é pontual; episódico, que tem uma certa frequência ou crônico, que tem uma constância quase permanente de sensações de irritação, medo, desconforto, preocupação, frustração, indignação e nervosismo, que se motivam por razões distintas”, conta. Já o quadro de cansaço ou fadiga extrema seria uma sobrecarga de informações sentidas pelo cérebro e pelo corpo. A terapeuta pontua que os transtornos começam com sinais físicos, como fadiga, predisposição a procrastinação e distúrbios do sono. “Quando a pessoa apresenta depressão, por exemplo, ela tem esses sintomas em diferentes graus, mas os sinais mais significativos são a falta de interesse por atividades que antes ela tinha prazer em desempenhar, deixar de lado o cuidado pessoal, ter pensamentos destrutivos, alteração no sono e, com frequência, o comportamento de querer ficar isolado”, aponta.

Kauane ressalta que a pessoa com a Síndrome de Burnout está em um ponto de esgotamento onde não há energia mental ou disposição para manter a associação com outros indivíduos. “Ela está num nível de cansaço tão extremo que não consegue mais fazer laços, demonstra irritabilidade ou impaciência sem razão alguma ou por qualquer coisa e isso acontece inclusive com pessoas que normalmente são calmas e tranquilas. Elas começam a se irritar com tudo e passam a culpar quem está ao seu redor por suas falhas”. De acordo com a psicóloga, a irritabilidade é uma característica bem expressiva do burnout, mas a síndrome também se manifesta por meio de limitações físicas ou enfermidades. “O corpo começa a dar sinais, como dores de cabeça, baixa imunidade, problemas estomacais, intestinais, além de outras questões orgânicas”, avalia.

Franciane destaca que o diagnóstico de transtorno ou doença mental deve ser dado por um especialista que estuda o cérebro e o comportamento humano. “É importante buscar o atendimento e o auxílio de um terapeuta ou médico psiquiatra”. Na opinião da psicoterapeuta, o papel do profissional de saúde mental é auxiliar o indivíduo a saber lidar com os conflitos internos e externos, para que ele possa ter saúde emocional e exercer seu trabalho com maior leveza e assertividade. “Todos os síndicos precisam de um acompanhamento profissional terapêutico, já que de maneira indireta ele está respondendo aos conflitos internos de outras pessoas. Normalmente, as intercorrências que acontecem entre os condôminos não são apenas por desrespeito às regras acordadas entre eles, mas pelos próprios conflitos internos que eles carregam e tais conflitos interferem no meio de convívio social”, acredita.

 

Auxílio profissional para trabalhar as emoções

Para evitar que os problemas ameacem a saúde mental do síndico, as três profissionais concordam que ele deve aprender a conduzir as emoções de uma maneira mais saudável. “Quando a gente fala sobre lidar com as emoções, é muito importante saber expressá-las. Negar a ira, desprezar a dor e ignorar a depressão não é virtude. Ignorar as nossas emoções é dar as costas para a realidade”, declara Kauane.

A psicóloga salienta que as emoções não expressas verbalmente acabam tendo um impacto físico. “O corpo vai se expressar de alguma forma, seja através de uma enxaqueca ou de uma doença mais grave. Por isso, a importância de ter ambientes onde o indivíduo consiga expressar suas emoções, seja dentro de casa, com alguém da família, cônjuge, filho, irmão ou amigo, por exemplo”. Kauane também recomenda a escrita ou a crença em algo como meios de se expressar: “Pegue um papel ou use o bloco de notas do computador ou do celular para escrever o que está sentindo, coloque para fora. As pessoas que têm uma relação com a fé também podem fazer isso por meio da oração ou da meditação”.

Franciane vê como uma boa alternativa estudar o comportamento humano, pois desta forma o síndico estará mais preparado para resolver os conflitos de maneira mais assertiva. “Buscar um terapeuta que trabalhe a gestão emocional ajudará o indivíduo a compreender as outras pessoas e a entender que cada pessoa reage de maneira diferente numa determinada situação. A reação do condômino, por exemplo, depende das trilhas neurais que ele obtém”, define.

Procurar a psicoterapia para trabalhar o autoconhecimento pode auxiliar no enfrentamento dos conflitos do dia a dia do síndico, além de oferecer um espaço para que o indivíduo possa falar sobre suas emoções em um ambiente seguro. “O terapeuta ocupacional pode avaliar a rotina do síndico e verificar como ele está conduzindo a sua rotina diária e mostrar estratégias para ter qualidade de vida no seu ofício, diminuindo o gasto de energia desnecessária”, avalia Scarlet. De acordo com a terapeuta, a busca pela ajuda profissional deve ser iniciada assim que possível, sem contraindicações ou pela demanda de um diagnóstico específico.

Kauane complementa afirmando que a psicoterapia pode ser feita por qualquer pessoa que queira se conhecer melhor: “Para entrar em contato com as suas próprias questões emocionais do passado e do presente, entender suas escolhas, sentimentos e assim por diante”. No parecer da psicóloga, não necessariamente o indivíduo precisa estar doente para procurar ajuda, mas algumas situações pedem a mesma urgência que a procura por qualquer outro profissional de saúde. “Devemos sim ter esse senso de urgência com a saúde mental, porque senão também o lado físico vai começar a dar sinais e vai ser prejudicado”.

Síndico gestor profissional há 12 anos, Odimar também acredita que a busca pelo aconselhamento profissional pode ser benéfica para o desempenho da função. “O autoconhecimento e a tomada de consciência das emoções e sentimentos com o suporte de um profissional, seja ele um psicólogo, terapeuta ou coaching, é fundamental para o síndico buscar sua ‘centralidade’ e preservar sua saúde nestes tempos de ansiedade e depressão”, acredita.

Ações preventivas

Para Scarlet, a prevenção e o tratamento das doenças mentais andam juntas: “Pequenas atitudes podem contribuir para o melhor funcionamento mental e físico. Saber dizer não é importante e o síndico deve entender que há assuntos que não dependem somente dele para resolver e que tudo tem um tempo. Reservar algumas horas para o autocuidado, ter uma vida social e uma rotina longe das funções como síndico é importante”.

Na visão da terapeuta, delegar é possível e fundamental. “Eleja um subsíndico ou alguém do conselho do condomínio para auxiliar no desempenho das funções, tanto burocráticas, quanto nas questões diárias. Isso facilita quando o síndico não estiver presente ou precisar viajar, já que o período de férias também é essencial para o descanso e para a recuperação do desgaste físico e mental do trabalho”.

Para superar as adversidades que acabam fazendo parte do dia a dia do ofício, o síndico deve buscar o equilíbrio e fazer uso de algumas estratégias para manter a saúde em dia em sua rotina. “Se puder, busque uma atividade física, seja aeróbica, musculação, yoga, artes marciais ou até meditação. São hábitos fundamentais para o organismo liberar as substâncias químicas e, principalmente, extravasar o estresse diário. Tenha também um hobby, que possa satisfazer fora do exercício da função”, indica a terapeuta. A profissional de saúde recomenda a estimulação cognitiva com atividades como o cultivo de plantas, colecionar objetos ou cozinhar. “Quanto mais ativo e bem estimulado o cérebro ficar, mais reserva cognitiva vamos ter”, garante Scarlet.

Regulando a rotina e as emoções

A psicológa Kauane Leite recomenda algumas práticas para lidar com o estresse na rotina:

Estabeleça limites nos horários e saiba dizer não: “Quando estiver na hora do almoço ou fora do horário de expediente, por exemplo, tente almoçar em paz e descansar, sem interrupções que não sejam pertinentes ao seu momento de pausa. Por isso, a importância de saber dizer não e entender a sua verdadeira função e carga de trabalho, para não abraçar algo que não pertence a você ou que vá te sobrecarregar em um momento inadequado”.

Estabeleça períodos de descanso: “Férias são importantes, então tente tirar pelo menos uma semana de descanso por ano, por mais difícil que seja. E, durante a semana, tire um dia que seja só seu para descansar, cuidar de você e lidar com a sua própria vida e o seu o mundo interior, já que o ego também está muito arraigado ao desempenho no trabalho”.

Cuidado com a saúde em geral: “Isso inclui a saúde física, o sono, a alimentação, a prática de atividades físicas etc. Essas questões estão diretamente relacionadas à nossa saúde mental, já que muitas pesquisas indicam a relação desses fatores com o nosso humor e ânimo”.

Descentralize as tarefas: “Saiba delegar funções. Na medida que for possível, não abrace o mundo. Nós não damos conta de tudo, somos limitados e finitos como seres humanos e precisamos aprender a dividir as nossas funções”.
Cultive verdadeiras amizades e procure por ambientes de trabalho saudáveis: “Esse é um conselho que eu dou para todos os profissionais, independente da profissão. Invista em estar em ambientes onde você possa se sentir à vontade para rir, para conversar, para chorar, para se distrair e falar de outros assuntos que não sejam só do trabalho”.

Busque ter equilíbrio e dê atenção a todas as áreas da vida: “A vida não é só trabalho. Existe família, casamento, estudos, lazer, esportes e o que mais for do interesse da pessoa. Não viva somente em função do trabalho e saiba estabelecer limites, porque do contrário, isso vai prejudicar também a sua vida profissional”.

Mediação para ajudar nos conflitos

Um conflito ou desentendimento entre moradores ou até mesmo entre um síndico e um morador quando não bem resolvido pode ser gerador de grande estresse para todos. Uma forma de buscar auxílio para reduzir o desgaste das relações e, em longo prazo, evitar danos à saúde emocional dos envolvidos, é buscar ferramentas de diálogo, sendo que de maneira profissional, a mediação pode ser uma boa opção. “‘A mediação não é terapia, mas é terapêutica’, já dizia a mediadora Kátia K. Quandt. Quando estamos envolvidos em um conflito, não é apenas o psicológico que é afetado, mas o físico e o emocional também”, afirma a especialista em direito arbitral e mediação, Giordani Flenik.

Giordani, que é diretora jurídica e CEO da Conversatio Arbitragem e Mediação, afirma que a mediação não procura somente solucionar o conflito, mas propõe aos participantes identificar a origem do problema. “O interessante é que na maioria das vezes, nem percebemos o que realmente causou a discórdia, pois estamos concentrados na dor e em ‘atacar’ o outro, fazendo com que a nossa concepção do que é o ‘certo’ prevaleça sobre o entendimento do outro, pois queremos ter razão”, pondera.

Segundo Giordani, as técnicas de mediação, se bem empregadas e manejadas por pessoas capacitadas, transformam um cenário de conflito em ambiente de cooperação e escuta, desde que haja a concordância das partes em participar do procedimento. “Mediação não é para todos, mas sim para as pessoas, sejam físicas ou jurídicas, que estejam dispostas a buscar a solução do conflito de forma dialogada e comprometida”. A especialista em direito arbitral e mediação explica que um dos princípios da mediação é a autonomia da vontade: “Isso significa que é indispensável que as partes estejam disponíveis, abertas ao diálogo, à cooperação e à boa-fé. O mediador, por sua vez, faz o mapeamento do conflito, para ter uma visão sistêmica de todo o problema, das pessoas e do contexto e isso implica em identificar todos os aspectos, inclusive os emocionais, pois todo ser humano é dotado de sentimentos e não podemos desprezar essa característica, atuando somente de forma racional”, revela.

Uma boa conversa prévia com um profissional de mediação auxiliará os interessados a escolherem o melhor método extrajudicial para resolver o conflito, sendo que é necessário optar pela arbitragem, mediação ou negociação em uma situação de conflito. “São procedimentos diferentes e específicos, cada um com suas técnicas e leis próprias que os regem. Dependendo do assunto que envolve o conflito, do tipo de relacionamento, dos riscos de tempo, de imagem e valores em questão, se orienta a seguir esse ou aquele método. O importante é entender que, levar um conflito ao judiciário, via de regra, deve ser a última opção, por vários motivos: morosidade, burocracia, desgaste físico, emocional, financeiro, entre outros”, conclui.

RevistaDomus

RevistaDomus

A Revista Domus Joinville é uma publicação impressa com o objetivo de ser um espaço aberto para a divulgação de conteúdo de marcas e profissionais do universo dos condomínios.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo